A CIDADE PELOS OLHOS E MÃOS DAS MULHERES

"Imaginemos que somos arquitetos, todos dotados de uma ampla gama de potencialidades e capacidades, inseridos num mundo físico e social pleno de restrições e limitações manifestas. Imaginemos ainda que estamos nos empenhando em transformar o mundo. Na qualidade de habilidosos arquitetos inclinados à rebeldia, temos de pensar estratégica e taticamente acerca do mudar e de onde mudar, sobre como mudar o que e com que ferramentas. Porém também temos de continuar de alguma maneira a viver neste mundo. Temos aqui o dilema fundamental que se acha diante de todo aquele que se interessa por uma mudança progressista." - David Harvey, em Espaços de Esperança.

Na primeira edição do Arquitetos Rebeldes, em 2015, debatemos alternativas de moradia, trabalho e atuação profissional relacionadas às políticas habitacionais federais de Regularização Fundiária e o Minha Casa Minha Vida. De lá para a segunda edição, em 2017, vivemos uma série de retrocessos. Assistimos a um golpe. Naquele contexto, o II Arquitetos Rebeldes propôs-se a imaginar alternativas diferentes das impostas por aquela realidade, reconhecer as possibilidades dentro das restrições do Brasil de então.

Infelizmente, passados dois anos, as possibilidades não se realizaram de fato, permanecem latentes. Por isso, conectadas ao movimento da história em seus processos em escala nacional, mas também em seus desdobramentos cotidianos, propomos um novo encontro para continuar nutrindo a força rebelde, que resiste. Em sua obra “O Cotidiano e a História”, Agnes Heller escrevia, em 1970, que o “critério de desenvolvimento dos valores não é apenas a realidade dos mesmos, mas também sua possibilidade”. A manutenção de um horizonte de possibilidades diante da história não ocorre automaticamente, depende de práticas de resistência de pessoas e grupos.

“Por mais duradouras que sejam as fases históricas estéreis {...} sempre existirão ‘preservadores’ dos valores alcançados. {...}. Nem só um valor conquistado pela humanidade se perde de modo absoluto; tem havido, continua a haver e haverá sempre ressureição. Chamaria isso de invencibilidade da substância humana, a qual só pode sucumbir com a própria humanidade, com a história”. Agnes Heller.

No III Arquitetos Rebeldes {agora ArquitetAs Rebeldes} buscamos valorizar mulheres que pensam-constroem-praticam a cidade em seu cotidiano de trabalho/movimento/estudo para reconstruirmos juntas nossa rebeldia de arquitetas e-ou urbanistas. Sem dúvida, somos muito afetadas pelos discursos ultra-reacionários e misóginos que tomaram conta da política brasileira nos últimos anos. Não obstante, formamos um movimento que é uma das principais bases da resistência a este processo. Sofremos. Resistimos.

Por isso, ampliamos a temática inicial do simpósio da Habitação para o Habitar e através da motivação geral do evento {A CIDADE PELOS OLHOS E MÃOS DAS MULHERES} colocamos como objetivo debater como a nova realidade brasileira de aprofundamento das desigualdades (das sociais às de gênero} vem atingindo a vida cotidiana das mulheres na cidade e, pari passu, quais estratégias de resistência e luta estão sendo travadas por estas mulheres no sul do Brasil.

Acreditando que “A possibilidade de se expressar começa com poder descrever a própria experiência, valorizar as transmissões de saberes não regulamentados e ativar a capacidade crítica de cada olhar” (como escreveram Zaida Muxí e Josep M. Montaner em “Arquitetura e Política”), entre os dias 1 e 4 de outubro de 2019, reuniremos mulheres para compartilhar diferentes experiências de resistência no território, na cidade e no campo dos direitos. O III Arquitetas Rebeldes acontecerá novamente em Laguna-SC, no Cine Teatro Mussi, e é organizado pelas ações de extensão EMTROSA (Escritório Modelo Troca de Saberes) e Revista Canteiro, vinculados ao curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Estado de Santa Catarina.